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domingo, 26 de julho de 2009

Entrevista com Michel Onfray

Sobram razões para Michel Onfray ser um dos filósofos mais polêmicos  e mais lidos  da França: contra a religião e a ideia de Deus, as instituições de ensino e a formatação de alunos para que sirvam ao mercado de trabalho, o casamento, a monogamia, a procriação, Onfray não teme enfrentar mecanismos sociais já há muito tempo estabelecidos, propondo em sua obra “novas possibilidades de existência”. Ele é herdeiro de filósofos gregos como Diógenes e Epicuro, mas também dos iluministas franceses, de Nietzsche e de Freud. Apoiando-se sobretudo nos princípios da razão e do hedonismo, Onfray acredita que devemos buscar constantemente o prazer, a liberdade e a independência, desde que, para isso, não façamos mal ao outro. A busca por essa trajetória individual, na medida de nossos desejos, é a base de toda sua extensa obra: o filósofo francês já publicou mais de 40 livros  traduzidos em mais de 20 línguas  com temas tão variados como religião, política, estética, relacionamentos, história da filosofia, e até mesmo gastronomia e viagens. Dentre seus livros, destacam-se Tratado de AteologiaTeoria do Corpo Amoroso e Contra-História da Filosofia.,

Onfray, além disso, fundou em 2002 a Universidade Popular de Caen, uma universidade gratuita, sem inscrições prévias, sem diplomas, aberta a qualquer interessado.

Uma de suas obras mais importantes e polêmicas é o Tratado de Ateologia, na qual o senhor defende a substituição da religião pela filosofia. Mas, para tirar a religião da vida, é preciso necessariamente substituí-la por algo?
Na verdade, é preciso substituir o placebo, a religião, pelo medicamento, a filosofia. Em outras palavras, trocar as fábulas, as histórias infantis, os mitos, o pensamento mágico, os além-mundos, pela sabedoria, pelas Luzes, pela inteligência, pela razão. Se antes ensinava-se como verdade uma Virgem que tem filhos, um Deus que abre o mar para deixar seu povo passar, mortos que ressuscitam, peixes multiplicados ao infinito, água que se transforma em vinho em um passe de mágica, hoje é preciso ensinar a reflexão, a análise, o princípio da não-contradição, a obrigação de ser coerente, o pensamento racional, sensato e reflexivo. Em resumo: substituir Bento XVI por Voltaire.

Mas qualquer um pode esquecer Deus? Mesmo aqueles que talvez não tenham conhecimento o suficiente para ver o mundo de outra maneira?
Se deixarmos uma criança longe de influências, jamais ela inventará essas bobagens, que são um puro produto da educação. É preciso somente substituir um mundo por outro, uma pedagogia por outra, um saber e seus conteúdos por outros saberes e outros conteúdos.

Entrevista completa nesse link:
http://vidasimples.abril.com.br/edicoes/082/conversa/conteudo_485844.shtml

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Aperitivos Teológicos - Rubem Alves

Parábola sobre Deus: Algumas pessoas olham através da vidraça, discutem sobre uma casa que estão vendo, ao longe. Uma das pessoas diz que aquela casa é habitada por um nobre, de hábitos aristocráticos e conservadores. Uma outra diz o contrário, que lá mora um operário, membro do sindicato, revolucionário. Uma terceira diz que os dois primeiros estão errados: ninguém mora na casa. Ela está vazia. Pedem a minha opinião. Eu me aproximo, eles apontam através do vidro, na direção da casa. Olho, olho, e concluo que alguma coisa deve estar errada com os meus olhos. Eu não vejo casa alguma. O que eu vejo são os reflexos do meu próprio rosto, nos vidros da vidraça...


Diz o Alberto Caeiro que pensar em Deus é desobedecer a Deus. Se Deus quisesse que pensássemos nele ele apareceria à nossa frente e diria: ‘Estou aqui!’ Mas isso nunca aconteceu. William Blake falava em ‘ver a eternidade num grão de areia...’ A eternidade se revela refletida no rio do tempo. Já tive uma paciente que achou que estava ficando louca porque viu a eternidade numa cebola cortada! Cebolas, ela já as havia cortado centenas de vezes para cozinhar. Para ela cebolas eram comestíveis. Mas, num dia como qualquer outro, ao olhar para a cebola que ela acabara de cortar, ela não viu a cebola: viu um vitral de catedral, milhares de minúsculos vidros brancos, estruturados em círculos concêntricos, onde a luz se refletia. Eu a tranqüilizei. Não estava louca. Estava poeta. Neruda escreveu sobre a cebola ‘rosa de água com escamas de cristal...’
Pessoas há que, para terem experiências místicas, fazem longas peregrinações a lugares onde anjos e seres do outro mundo aparecem. Eu, ao contrário, quando quero ter experiências místicas, vou à feira. Cebolas, tomates, pimentões, uvas, caquís e bananas me assombram mais que anjos azuis e espíritos luminosos. São entidades assombrosas. Você já olhou para elas com atenção?


Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária.
Místicos e poetas sabem que o Paraíso está espalhado pelo mundo - mas não conseguimos vê-lo com os olhos que temos. Somos cegos. O Zen Budismo fala da necessidade de se ‘abrir o terceiro olho’. Repentinamente a gente vê o que não via! Não se trata de ver coisas extraordinárias, anjos, aparições, espíritos, seres de um outro mundo. Trata-se de ver esse nosso mundo sob uma nova luz.

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domingo, 12 de julho de 2009

O que é a Verdade?


O rei se queixava de que todos os seus súditos eram mentirosos. Então, decidiu que faria todos dizerem à verdade. Quando as portas da cidade se abriram, havia uma forca, bem à vista. O guarda anunciou: “Quem entrar na cidade, terá de responder com verdade à pergunta formulada!”
Nasrudim, um sábio, entrou. O guarda perguntou: “Aonde vai? Diga à verdade ou a alternativa é a morte!”
Nasrudim respondeu:”Vou ser enforcado naquela forca”.
O guarda replicou:”É mentira!”
Nasrudim insistiu:”Pois, muito bem, se eu disse uma mentira, enforque-me!”
O guarda todo confuso e angustiado suspirou:”Mas, se eu fizer isso, você terá dito à verdade”.
Nasrudim completa:”Exatamente, a sua VERDADE!”

CONSIDERAÇÕES
As pessoas têm vivido, continuamente, através de condicionamentos, e por se submeterem a isso, repetem sem cessar inúmeras crenças, sem sequer experimentar o que elas realmente significam. Além disso, perdem o poder pessoal para tomar decisões sobre certas situações de sua vida. O resultado é que mergulham em qualquer teoria que proclame ter o poder “divino” para decidir isso por ela. Saber que existe algo ou alguém que assume esse compromisso de moldar sua vida pode dar para certas pessoas um certo conforto e proteção, no entanto, tira o que é mais precioso na vida: a liberdade!

Qual a idéia mais perigosa da religião?


A religião é uma das forças mais potentes em questões humanas. Inspirou alguns dos momentos mais sublimes da história, mas também alguns de seus mais bárbaros.

A Inquisição, explosões de clínicas de aborto, ataques suicidas no Iraque - tudo isso tem raízes em alguma forma de ideologia religiosa.

Com isso em mente, fizemos a mesma pergunta a cinco pensadores religiosos de diferentes crenças: qual é a idéia mais perigosa na religião hoje? Seus comentários foram editados por questões de brevidade e clareza.

Violência em nome de Deus - Richard Land

"Concordo com o papa João Paulo II, que disse que há um santuário sagrado da alma para cada homem e mulher. Nenhum outro ser humano tem o direito de interferir coercivamente com esse santuário sagrado da alma. A idéia mais perigosa na religião é a idéia que a força coerciva, violenta, é permissível em nome de Deus - qualquer Deus."

"Você vê isso no islamismo radical. Observe que eu disse radical, não islamismo apenas. A maior parte das pessoas morrerá se essa idéia se espalhar. Ajudará a envenenar o poço do debate e discussão sobre questões que as pessoas discordam. É corrosiva ao discurso público dizer que, se você discordar de mim, vou matar você. Faz erodir a liberdade de expressão, a assembléia e a adoração."

Richard Land é presidente da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da Convenção Batista do Sul. Ele foi selecionado pela revista Times em 2005 como um dos 25 evangélicos mais influentes nos EUA

Siga as regras ou... - Wayne Dyer

"Carl Jung (autor e psicanalista) tinha uma frase. A paráfrase é: o principal problema da religião organizada é que o propósito da religião organizada é impedir as pessoas de terem a experiência direta de Deus. A religião é organizada em torno do princípio que a religião dará a experiência direta de Deus a você, desde que você se torne membro, siga as regras e contribua financeiramente."

"A coisa mais importante que um ser humano pode reconhecer é que já está conectado a Deus, e essa conexão não é algo que se pode entregar a outra pessoa ou organização. Uma das verdades do mundo físico é que você é como aquilo do que você veio. Se você se pergunta como é uma torta de maçã, é como a maçã de onde veio".

Wayne Dyer é um dos palestrantes de auto-ajuda mais populares do país. Ele é autor de 29 livros e apareceu freqüentemente em especiais da PBS

Minha religião está certa - Rabino Harold Kushner

"Há uma noção que diz que, para eu estar certo, todo mundo que discorda de mim está errado. Ela torna a cooperação entre religiões mais difícil. Se eu acredito nisso, tenho que acreditar que a religião dos outros não presta, é inválida."

"Você tem que entender que a religião não é sobre receber informações sobre Deus. Religião é sobre comunidade. O propósito primário não é nos levar ao céu, mas nos colocar em contato com as outras pessoas. Posso ter feroz lealdade a minha família sem denegrir a família dos outros. Posso ter feroz lealdade a minha religião sem denegrir a religião dos outros. Da mesma forma, meu vizinho pode dizer que sua esposa é a mulher mais maravilhosa do mundo. Posso tomar isso como declaração de amor, não como fato."

O rabino Harold Kushner é um dos pensadores judeus mais famosos do país. Ele é conhecido por seu livro campeão de vendas "Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas"


Converter outros para sua religião - Dr. Abdullahi Ahmed Na-Na'im

"Não acreditaria em uma religião, se não acreditasse que é melhor que as outras. A noção de superioridade e exclusividade é inerente à crença religiosa. Pode ser perigosa ou não."

"A idéia de trabalho missionário é muito carregada e perigosa, porque freqüentemente envolve simplesmente apresentar crenças para alguém aceitar ou rejeitar. Sempre está baseada em poder. Os que têm a capacidade de proselitismo são mais poderosos. Têm os recursos para estabelecer escolas, hospitais. O trabalho missionário não é neutro. Tem base no poder. Você não encontra muçulmanos saindo para fazer proselitismo nos EUA. Mas você encontra americanos indo para todo tipo de país muçulmano."

Dr. Abdullahi Ahmed Na-Na'im é acadêmico internacionalmente reconhecido do islã e de direitos humanos. Ele é professor da Universidade de Emory
Uma visão tribal de Deus - Deepak Chopra

"A idéia mais perigosa é: meu Deus é o único Deus verdadeiro e minha religião é a única verdadeira. Leva a brigas, divisões, terrorismo, preconceito, racismo e banhos de sangue."

"As noções religiosas são programadas em nossa consciência em uma idade muito tenra. Achamos que são verdade. É muito difícil deixar essa condição, mesmo diante do raciocínio intelectual, por causa do aprisionamento emocional a nossa condição. Lutamos com emoções quando nossas crenças são ameaçadas."

"Estamos em um ponto crítico em nossa evolução. Estamos começando a tomar consciência. Sabemos muito sobre a natureza. Temos uma boa idéia sobre o início do universo. Compreendemos em alguma extensão as leis da física, química e biologia. Ainda assim, para a vasta maioria das pessoas, apesar de termos telefones celulares e podermos fabricar bombas atômicas, nossa evolução psicológica e espiritual está em um nível muito tribal."

Deepak Chopra é diretor e co-fundador do Centro Chopra de Bem Estar em Carlsbad, Califórnia. Ele é autor e palestrante famoso por integrar a medicina Ocidental com tradições de cura natural do Oriente

Insossa Eternidade - Rogério


Estava eu sentado sobre uma das muitas pedras a margem rio Guaíba, perto da Usina do Gasômetro e estava a contemplar as ondas que surgiam e voltavam para o rio. Olhando-as percebo na essência delas, que sua natureza é sempre a mesma e retornam sempre ao todo de onde surgiram.
Impermanentes.
O que me fez verificar o senso que temos da imortalidade. Imortalidade é nunca morrer, nunca ter um fim. Mas analisando em profundidade, para ser imortal não se pode viver pois, se fôssemos vivos e imortais, duvido que não procuraríamos um meio de nos matar.

O que nos dá prazer e dor a nossa vida senão os nossos sentidos? Nossos sentidos tem inúmeras funções cada um a seu modo nos permite ter contato com o mundo que nos rodeia. No entanto, se fossemos imortais, os sentidos não seriam de forma alguma algo útil. Analisemos:

Paladar: como imortal, não necessitaria comer para sobreviver, logo sentir o gosto pelas coisas seria deveras sem relevância.

Olfato: nosso olfato é uma extensão, dizem alguns, de nosso paladar. Sendo imortais os odores nos seriam inúteis uma vez que eles nos ajudam a identificar o que deve ou não ser consumido. Adicionalmente os odores nos ajudam a captar Feromônios úteis segundo pesquisas para a escolha do nosso(a) parceiros sexuais. Porque faria sexo para preservar minha espécie se vivo eternamente???

Visão: Me arrisco dizer que é o nosso principal sentido. Nossa visão nos permite enxergar os perigos e nossas necessidades para que sobrevivamos. De que utilidade seria nossa visão então?

Tato: dor e prazer estão relacionados a este sentido. Ambos necessários para nossa sobrevivência como indivíduo e como espécie.

Audição: nossos ouvidos nos auxiliam a perceber as vibrações no ar permitindo nossa comunicação com outros e percepção de perigos.

Mente: e quando chegássemos ao ponto de nos conhecer tão profundamente que nada mais há a ser descoberto?

Ademais, necessitamos do fato de que morreremos um dia para motivar-nos a fazer as coisas. Mesmo o mais fervoroso eternalista necessita dela, a dona morte e sua foice para seguir seu credo.

Mas digamos que tivéssemos todos estes sentidos:

Pois digo que insosso se tornará a realidade daquele que é eterno, pois se fossemos eternos e atingíssimos o limiar de todo conhecimento transcendente, nos faltaria ainda a experiência da não existência para compreendermos plenamente todas as coisas... E, se retornássemos desta não existência o que mais haveria de interessante para nós?

Se fossemos eternos também teríamos de dar, eternamente, sentido a nossa existência. E quando tudo mais já tiver sido, vez após vez, esmiuçado diante de nossa ânsia de darmos sentido a tudo?

Sinceramente? Prefiro ser o mortal. Aquele ser que os deuses e seres espirituais diversos consideram segundo suas mitologias, seres inferiores, porque morrem... Prefiro buscar as coisas nas coisas pelo que elas são enquanto vivo do que abraçar a eterna insatisfação de ter de encontrar um sentido para minha existência que um dia ficará sem sentido...
A realidade é o “agora” e só...
E agora eu vou comer minha barrinha de chocolate...

O Nariz - Luis Fernando Veríssimo

Era um dentista, respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes mas uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sombrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa do almoço – sempre almoçava em casa – com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.
- O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.
- Isso o quê?
- Esse nariz.
- Ah. Vi numa vitrina, entrei e comprei.
- Logo você, papai...
Depois do almoço, ele foi recostar-se no sofá da sala, como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.
- Tire esse negócio.
- Por quê?
- Brincadeira tem hora.
- Mas isto não é brincadeira.
Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou.
- Aonde é que você vai?
- Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.
- Mas com esse nariz?
- Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. – Se fosse uma gravata nova você não diria nada. Só porque é um nariz...
- Pense nos vizinhos. Pense nos cliente.
Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor, doutor...”) fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.
- Ele enlouqueceu?
- Não sei – respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. – Nunca vi ele assim. Naquela noite ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
- Você vai usar esse nariz na cama? – perguntou a mulher.
- Vou. Aliás, não vou mais tirar esse nariz.
- Mas, por quê?
- Por quê não?
Dormiu logo. A mulher passou metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.

- Papai...
- Sim, minha filha.
- Podemos conversar?
- Claro que podemos.
- É sobre esse nariz...
- O meu nariz outra vez? Mas vocês só pensam nisso?
- Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?
- O nariz é meu e vou continuar a usar.
- Mas, por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.
- Não tem porque não quer...
- Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz postiço?
- Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhuma diferença.
- Se não faz nenhuma diferença, então por que usar?
- Se não faz diferença, porque não usar?
- Mas, mas...
- Minha filha...
- Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!

A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço. Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.
- Você vai concordar – disse o psiquiatra, depois de concluir que não havia nada de errado com ele – que seu comportamento é um pouco estranho...
- Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. – Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento de meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar, Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como era antes.
- Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz?
- É... – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão...
O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for, não se entregou. Continua a usar nariz postiço. Porque agora não é mais uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.

Karl Marx e a religião: ópio do povo?


Para muitos, Karl Marx no rótulo ateu, era um perseguidor das religiões e uma pessoa sem coração ou mesmo sem escrúpulos. A famosa frase da religião como sendo o ópio do povo, não é tão óbvia assim.
“Não se pode dizer que, para Marx, a religião é simples invenção de sacerdotes falsários ou de dominadores. É a manifestação da humanidade sofredora em busca de consolo. É ópio pra o povo, um calmante para as massas que sofrem a miséria produzida pela exploração econômica. Mas os exploradores burgueses também precisam de religião”.
É interessante notar que Marx via a religião não como algo primordial a ser combatido, pois ela apenas era um reflexo do que realmente estava acontecendo. A religião poderia servir como aroma tranqüilizador para muitas consciências e narcótico ou ópio para um consolo inútil, ou seja, independente da classe social, ela estaria sempre presente na vida das pessoas. O que deveria se combater então?
“Para Marx, a religião aliena o homem. A alienação religiosa deve ser esclarecida a partir da situação histórico-social concreta. Mas a religião é a expressão da alienação do homem e não seu fundamento. Antes, é o resultado. A essência da alienação do homem encontra-se no contexto econômico, no tipo de relações de produção geradas pelo mundo capitalista. Aí há duas classes sociais: os proprietários dos meios de produção e os não proprietários. Destruindo essa estrutura econômica também se destrói a religião que é seu produto. São as estruturas econômicas que, segundo Marx, geram a falsa consciência, que é a religião”.
“Marx conclui que, sendo a religião reflexo espiritual da miséria real do homem numa sociedade opressora, a superação da religião não se dará só pela crítica intelectual. De nada serviria privar o povo do ópio e não mudar nada”.
Como deu para perceber, o termo “alienação” vai muito além do que conhecemos hoje em dia, como em frases tipo: esse cara é alienado, ou sem rumo. É um termo que quer dizer que a pessoa foi privada de seus direitos fundamentais, passando a ser considerada um objeto, algo a ser usado. Ora, a alienação religiosa funda-se, segundo Marx, na alienação econômica. Por isso não há necessidade, teoricamente, de combatê-la, pois ninguém sentirá sua falta, isso tudo segundo a sua vontade que houvesse uma revolução, onde o homem assumiria ele mesmo a transformação social. Mas, isso já é uma outra história, aqui vale somente a orientação de como Marx observava a religião, e como ateu, muitos pensavam até que ele fosse mais radical nesse quesito, mas por incrível que pareça seus ideais tinham como baluarte ou suporte apenas a igualdade entre os homens!

Entre aspas retirado do Livro Filosofia da Religão de Urbano Zilles.

Sobre a salvação da minha alma - Rubem Alves


As coisas que tenho dito sobre Deus fizeram com que muitos dos meus leitores ficassem temerosos sobre o futuro de minha alma, no outro mundo. Acham que vou para o inferno. Eles pensam que, se a gente não pensar certo, Deus castiga. No inferno estão os pecadores que roubaram, fornicaram e mataram, e aqueles que ousaram pensar suas próprias idéias. Pensar certo, na cabeça deles, é pensar do jeito como pensam os padres e os pastores. Para tranquilizá-los vou me explicar.

Sobre a Bíblia. Eu a estudei muito e a amo. Para mim ela é um poema cujas palavras me confortam e me fazem mais sábio. Mas é preciso fazer uma distinção entre as palavras do poema, escritas, e aquilo que as pessoas pensam, ao lê-lo. Toda leitura é uma interpretação, isto é, os pensamentos das pessoas que a lêem. Todo sermão é pensamento de um homem e não pensamento de Deus. A interpretação é diferente do poema. Cada igreja, cada congregação, cada seita se organiza em torno de uma interpretação particular, palavra de homem. Mas cada uma delas tem a ilusão de que a sua interpretação é a Palavra de Deus. Sendo a Palavra de Deus, é única verdadeira. É muita presunção pensar que somente a minha seita interpreta certo e todas as outras interpretam errado. O que eu escrevo é a minha interpretação, tão problemática quanto qualquer outra. É preciso não se esquecer da sábia afirmação do apóstolo Paulo: Nós não sabemos direito as coisas; o que vemos são reflexos trêmulos e obscuros num espelho mal polido. É preciso não confundir os reflexos no espelho com o rosto verdadeiro que ninguém jamais viu. De Deus, a única coisa absolutamente certa que conhecemos é o amor (1 Cor. 13).

O que é a fé? É também uma questão de interpretação. Pessoas há que pensam que fé é um recurso mágico que garante que Deus vai nos atender. Para elas um Deus que não atende pedidos é um Deus muito fraco. Elas desejam garantias. Na minha interpretação fé é uma relação de confiança com Deus: é flutuar num mar de amor, como se flutua na água. Quem é que ama mais o pai? Aquele que é fiel ao pai porque ele lhe dá os presentes pedidos, ou aquele que ama o pai, mesmo que ele não lhe dê presentes? A gente ama o pai é pelos presentes, bênçãos, que ele dá, ou por ele mesmo? Amo a Deus mesmo que não me dê presentes.

Acho que Cristo enche todos os espaços do universo. Lutero falava da ubiquidade do corpo de Cristo e dizia que ele está presente até na menor folha, muito embora nas folhas o nome dele não esteja escrito. Quem ama uma folha ama Cristo. Quem tem amor respira Cristo, mesmo que não fale o nome dele. Tiago diz que os demônios sabem tudo sobre Deus e, no entanto, são demônios. Os reformadores falavam no Christo absconditus – isso é, o Cristo escondido, invisível, sem nome, em toda a Criação. Quem ama, mesmo que não cite as Escrituras e nem saiba o nome de Cristo, está nele. Cristo não pode ser engarrafado em nomes religiosos. Isso seria heresia, negar a sua onipresença.

As Escrituras Sagradas são um livro enorme. Muitos dizem que as Escrituras inteiras são inspiradas. Se realmente acreditam nisso, então todos os textos têm de ser objeto do nosso amor, são “palavras de Deus“. Noto, entretanto, que eles se comportam como se alguns textos fossem mais inspirados do que outros. Fazem silêncio sobre muitos textos. Por exemplo, nunca ouvi sermão católico ou evangélico sobre “Amada minha, em tua língua há mel e leite. Teus seios são como duas crias gêmeas de gazela...“ (Cânticos 4:11, 5); “Anda, come teu pão com alegria e bebe contente o teu vinho... Goza a vida com a mulher que amas todos os dias da tua vida...“ (Ecl. 9:7 e 9). Por que o silêncio? Acho que, secretamente, eles acreditam que uns textos são mais palavra de Deus do que outros...

E quanto ao destino de minha alma, não se preocupem. Foi Jesus mesmo que disse aos fariseus, religiosos que viviam citando as Escrituras e tentando converter os outros, que as meretrizes entrariam no Reino dos Céus antes deles. E notem: Jesus não disse: meretrizes arrependidas. Entram as meretrizes mesmo. Depois delas, então, entram os fariseus hipócritas e tudo o mais que Deus criou. Deus criou tudo, não é? Se ele criou tudo, vocês acham que ele ia entregar ao Diabo aquilo que saiu das suas mãos? Um Deus que é todo amor não pode ter, na eternidade, uma câmara de torturas sem fim em que as almas sofrem por pecados cometidos no tempo. Dívidas no tempo ficam dívidas eternas? Só se Deus for dono de banco...Quem iria ficar feliz com isso é o Diabo. E vocês acham que Deus está a fim de realizar os desejos do Diabo? No fim, o amor de Deus triunfa! E nós todos, vocês, eu, meretrizes, e tudo o mais, estaremos entrando...

(Transparências da eternidade, Verus, 2002)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Nada é impossivel de mudar - Bertolt Brecht

Nada é impossível de mudar,
Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.