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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

TV e Religião: em nome de Deus?

Em nome de Deus?

Por João Brant em 24/2/2011
Reproduzido do Brasil de Fato nº 416, de 23/2/2011

Ligar a televisão no horário nobre e ver um líder religioso utilizando o espaço para pregar e buscar fiéis é algo que parece fora do lugar. E é. Não por ser uma manifestação religiosa, algo que é parte da cultura brasileira, mas por tornar evidente que um espaço público está sendo utilizado para fins privados.

O mundo todo discute como equilibrar os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de crença, previstos em diversas Constituições, inclusive na brasileira. Há várias questões aí envolvidas. Primeiramente, manifestações religiosas devem ou não ser permitidas em veículos de comunicação que são concessões públicas, como rádio e TV? Se sim, deve ser permitido também o proselitismo religioso, ou seja, a prática de tentar "vender seu peixe" e conquistar fiéis?

Na busca de respostas, é preciso pensar como esse tipo de manifestação ajuda ou afeta a liberdade de crença – que é maior do que a liberdade religiosa e inclui até o direito de não se ter religião. E lembrar que, para outras manifestações similares, como o proselitismo político, já há um consenso sobre a necessidade de regras claras para que espaços públicos não sejam tomados por grupos específicos.

Apropriação indevida

No caso das religiões, deve-se perguntar, também, como garantir às distintas manifestações de fé o mesmo direito, já que não chegam a 2% as denominações religiosas presentes no Brasil que têm espaço em meios de comunicação. Deve-se também impedir que esses espaços sejam usados para ataques a outras religiões, como os que sofrem as denominações de matriz africana.

E há questões estruturais também fundamentais. Deve-se permitir canais inteiramente controlados por grupos religiosos, o que é proibido na maioria das democracias? Deve-se permitir o arrendamento de espaço – ou mesmo de canais inteiros – no rádio e na TV? Será que essa prática não configura uma verdadeira grilagem eletrônica, pela apropriação privada de um espaço público? Sejam quais forem as respostas, o nome de Deus não pode ser usado como álibi para evitar esse debate no Brasil.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Por favor céticos e crentes, parem de encher o saco uns dos outros. Obrigado.


Olá amigos! Como foram as festas de final de ano? Espero que tenham sido boas. Espero também que você não tenha estragado o natal de ninguém com babaquices.

Espero que você, cético, não tenha feito aquele discurso a respeito de como o natal é uma festa de origem pagã e que a árvore é isso e o papai noel é aquilo e Jesus não tem nada a ver com isso e blá blá blá. Ou pior ainda: você se recusou a comemorar esse feriado cristão promovido pela igreja que foi responsável pelas Cruzadas e a Inquisição e não-sei-o-quê. Você não é só um chato, você é também um imbecil. Eu quero mais é que as Cruzadas que se fodam, eu quero presente e comida boa!

Mas você, você cristão que quando tá todo mundo lá curtindo a ceia fala “gente, mas não vamos esquecer pra quem é essa festa né? Vamos pedir as bença ao Menino Jesus que Deus abençoe a todos e o amor de Maria derrame sobre a Terra com a ajuda do Espírito Santo e que os anjo ali babá shamalabalae shamalaabalada shabatcaladá…”

Vocês precisam parar de ser tão chatos.

Eu lembro bem dos natais em que ainda acreditava no Papai Noel. Eu ganhava presentes dos meus pais durante o resto do ano, mas o presente de natal era melhor, porque era um presente mágico e grátis! Aí veio um chato e um dia me contou que na verdade não tinha esse negócio de Papai Noel, que eram meus pais que compravam o presente… em dois minutos de conversa eu percebi que era verdade: era ridículo pensar que um velhinho mágico dava brinquedos Estrela pra todas as crianças do mundo. E foi assim que meus natais perderam um tanto da graça.

A mesma coisa acontece quando você percebe que deus não existe. Veja bem: não é que eu não acredito em deus, é que ele não existe mesmo. O crente (e quando eu digo crente é no sentido de “crer”, não de “evangélico”… me sinto ridículo tendo de explicar algo tão óbvio, mas nunca se sabe) não entende isso. Não entende que não é uma questão de querer acreditar. Eu, particularmente, queria muito poder acreditar que quando eu morresse eu ia encontrar todo mundo que eu gosto e que morreu antes de mim e que eu vou viver pra sempre e tudo o mais (seja o “tudo mais” uma versão carola de Alphaville, sejam 72 virgens), mas infelizmente não posso.

Agora você, cético chatão, por que você tem que ficar querendo contar que o papai noel não existe pra quem acredita nele? Não faça mais isso, amigo! Deixa a pessoa ser feliz, acreditando que quando ela morrer vai ser maravilhoso, que tudo tem uma razão de ser, que quem fez mal aqui vai “pagar do outro lado”. Ela só vai descobrir que estava errada quando morrer! Quer dizer, ela não vai descobrir, porque vai estar morta. “Ah mas a igreja tira o dinheiro e ilude as pessoas!” Quem nunca gastou dinheiro com bobagem? Quem nunca comprou algo que acabou nunca usando? Melhor gastar com dízimo que com ingresso pra stand-up do Rafinha Bastos!

E você crente, você que fica achando que vai convencer alguém a acreditar em deus: desista, você parece uma criança tentando convencer um adulto de que o Papai Noel existe.

Autor: @ibere

Pimenta nos Olhos dos Outros, Ateísmo e Religião

Por William Douglas*


A campanha que a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) vem promovendo, em ônibus, nos grandes centros urbanos do país merece alguns comentários. Aplaudo a ideia de combater o preconceito contra ateus e agnósticos, aliás, como aplaudo qualquer evolução no sentido da mais ampla liberdade religiosa, o que inclui o direito de crença e o de não crença.


Contudo, a ideia, que é boa, foi muito mal executada. A ATEA conseguiu repetir os erros mais comuns dos maus religiosos.
Um banner da campanha afirma: "Religião não define caráter"; coloca a foto de Chaplin acompanhada da frase: "Não acredita em Deus", e a de Hitler, com a frase: "Acredita em Deus". Lamentável a parcialidade tão criticada nos religiosos ser repetida de forma tão grosseira. Por que não se colocou junto de Chaplin, um bom homem, a de Pol Pot, Stalin ou Mao Tse Tung, reconhecidos assassinos de milhões e que eram ateus? Teria sido mais honesto, mas optou-se apenas por mostrar um bom ateu. E quanto a Hitler? Por que não se colocou ao lado dos teístas, Madre Teresa? Ou o muçulmano Saladino, que respeitou igrejas cristãs e sinagogas mesmo após todas as crueldades que outras religiões cometeram contra as mesquitas? Ou o hindu Gandhi? A campanha teria sido muito mais feliz se mostrasse que em todas as crenças, ou mesmo sem elas, temos boas e más pessoas. Isso teria sido mágico.


Não é atacando o teísmo que alguém irá conseguir o respeito para o ateísmo, ao contrário. A reclamação da ATEA de que alguns veículos se recusaram a veicular as campanhas, ignora o fato de que as razões da recusa podem não ter sido o preconceito contra os ateus, que é errado, mas a recusa em se fazer uma campanha que se mostrou parcial e deselegante. As frases e ideias escolhidas são tão preconceituosas que parece que a defesa é a de que "preconceito ruim é só aquele que nos atinge".


Não sei de onde saiu a frase: "A fé não dá respostas, só impede perguntas." Apenas um grande desconhecimento da religião dos outros pode dizer que a fé impede perguntas. Ao menos na minha, desde os profetas até o próprio Jesus, as perguntas são livres, e muitas, e incentivadas. E dizer que a fé não dá respostas também é preconceituoso: se as respostas não agradam a alguns nem por isso deixam de ser respostas para aqueles que, como eu, ficaram satisfeitos com elas. Mais que isso, traz a foto de uma pessoa encarcerada, como se todos os que tivessem fé fossem encarcerados... o que realça a postura arrogante, comum a muitos ateus e teístas: a de que apenas o que eles mesmos creem ou deixam de crer é a verdade. Por fim, mostra desconhecer (ou querer ignorar) quantos foram os encarcerados que saíram da vida de crimes pela intervenção dos movimentos religiosos dos mais variados matizes. As grandes universidades de hoje começaram, anote-se, de movimentos religiosos. Dizer que não temos respostas e que impedimos as perguntas é, no mínimo, falta de informação. Não crer nas respostas da fé é uma coisa, dizer que elas não existem é outra.


A foto do ataque de 11 de Setembro ao lado da frase: "Se Deus existe tudo é permitido" é desonesta. Primeiro, pois escolhe dentro do islamismo uma linha que o próprio islamismo, em grande parte, critica. Em suma, a ATEA escolheu o que a religião tem de pior para falar mal da religião. Ao invés de ir contra o preconceito, repetiu-o.


A citação da frase: "Se Deus existe tudo é permitido" me pareceu, no mínimo, deselegante, pois é exatamente o contrário da conclusão a que se pode chegar do que Dostoievski escreveu no romance Os Irmãos Karamázov: "Se Deus não existe, tudo é permitido". Ou estamos diante de desconhecimento ou de um aproveitamento de frase com a inversão do seu sentido, o que seria, no caso, o pior dos plágios.


Enfim, preconceito, desconhecimento, arrogância, uso invertido de frase conhecida e parcialidade, para não ir muito longe. Conheço amigos ateus que devem ter se sentido muito mal representados por esta campanha, assim como me sinto muito mal representado, na qualidade de quem acredita em Deus, por Hitler e por terroristas (escolha feita pela ATEA para criticar o preconceito).


Uma pena que, ao invés do alto nível intelectual e pluralista de tantos ateus que eu conheço, a campanha, tão boa em seu propósito, tenha sido desastrosa na sua execução, como se o seu fim fosse dizer: "Aceitem-nos! Nós conseguimos ser tão preconceituosos e agressivos quanto vocês". O lamentável é que a campanha ignorou bons exemplos de tolerância, esclarecimento e educação, tanto no ateísmo quanto na religião.


William Douglas é Professor, juiz federal/RJ e escritor. Mestre em Direito/UGF, especialista em Políticas Públicas e Governo - EPPG/UFRJ, http://www.williamdouglas.com.br